Embarque em Lisboa |
Neste regresso faltavam uns quantos camaradas, que tinham decidido dar o salto para o estrangeiro ou baixado ao hospital com uma doença mesmo a calhar, mas os que restavam formavam-se de novo em parada no quartel, com as malas, e embarcavam nas viaturas militares para a estação de caminho de ferro mais próxima. Na estação, quase sempre de noite, o contingente embarcava num comboio especial em direcção a Lisboa, ao Cais da Rocha ou ao de Alcântara. O navio que os iria levar estava atracado e as famílias apinhavam-se nas varandas da gare marítima com lenços a acenar, cartazes com o nome do militar, para chamar a atenção, e lágrimas da despedida. A tropa, vinda de vários pontos em quantidade suficiente para encher o navio, desfilava de novo, agora em continência perante um alto representante militar, com as senhoras do Movimento Nacional Feminino e da Cruz Vermelha a distribuírem lembranças e mais folhetos sobre o território de destino. Chegava o momento do embarque. Subiam-se as escadas e arrumava-se a bagagem junto ao beliche armado nos porões, transformados em casernas. Depois, voltava-se ao convés, lutava-se por um lugar na amurada ou trepava-se aos mastros, para os últimos acenos. Por volta do meio-dia, o navio recolhia as escadas e os cabos, a sirene apitava e, durante alguns anos, a instalação sonora tocava uma marcha intitulada ANGOLA É NOSSA independentemente do destino - um ritual abandonado nos anos mais próximos do fim da guerra. O navio afastava-se lentamente, virava a proa à foz do Tejo, passava por baixo da ponte e deslizava diante da Torre de Belém. A fome já apertava e eram dadas instruções para a primeira refeição a bordo.
Os oficiais seguiam para a Primeira classe, os sargentos para a Segunda e os praças para a Terceira. Neste caso, e dada a grande quantidade de tropas embarcadas, havia um sistema de self-service. Cada grupo nomeava os seus faxinas, que se aproximavam dos caldeirões, montados à proa e à ré, para receber um tacho de sopa, um de «segundo», o pão e a fruta, que redistribuíam pelos seus camaradas, no regresso aos seus postos. Comia-se como num piquenique, sentando no convés. Este sistema já funcionava mal com o mar calmo, mas piorava nos dias de tempestade. Nesses dias, os respingos do mar salgavam a comida, os faxinas desequilibravam-se com o balanço, entornando a sopa, e os restos espalhados ajudavam a escorregar os que vinham em sentido contrário. Valia nessas ocasiões o enjoo da maioria, que os tornava menos exigentes na quantidade e qualidade da alimentação. A meio da viagem realizavam-se exercícios de salvamento a bordo, e todo o contingente enfiava o colete salva-vidas e cada um apresentava-se junto à baleeira que lhe estava destinada em caso de naufrágio. Tiravam-se umas fotografias e estava passada mais uma tarde. Os dias de calma eram gastos a jogar às cartas e a receber alguma instrução sobre o destino, em que ninguém, verdadeiramente, queria pensar. A passagem do equador fornecia o pretexto para uma cerimónia da praxe e, entretanto, aproximava-se a chegada, que, quase sempre de manhã, era o tempo da curiosidade de África, o tempo de refazer as malas e o desembarque. Nova formatura, agora o calor, um desfile e um discurso. Depois, a partida para um campo militar, o Grafanil, em Luanda, o Cumeré, em Bissau. Aqueles para quem Moçambique era o destino, prosseguiam viagem de Lourenço Marques para norte, até à Beira, Nacala ou Porto Amélia. A partir daqui, seguiam-se os dois anos da comissão.
Os oficiais seguiam para a Primeira classe, os sargentos para a Segunda e os praças para a Terceira. Neste caso, e dada a grande quantidade de tropas embarcadas, havia um sistema de self-service. Cada grupo nomeava os seus faxinas, que se aproximavam dos caldeirões, montados à proa e à ré, para receber um tacho de sopa, um de «segundo», o pão e a fruta, que redistribuíam pelos seus camaradas, no regresso aos seus postos. Comia-se como num piquenique, sentando no convés. Este sistema já funcionava mal com o mar calmo, mas piorava nos dias de tempestade. Nesses dias, os respingos do mar salgavam a comida, os faxinas desequilibravam-se com o balanço, entornando a sopa, e os restos espalhados ajudavam a escorregar os que vinham em sentido contrário. Valia nessas ocasiões o enjoo da maioria, que os tornava menos exigentes na quantidade e qualidade da alimentação. A meio da viagem realizavam-se exercícios de salvamento a bordo, e todo o contingente enfiava o colete salva-vidas e cada um apresentava-se junto à baleeira que lhe estava destinada em caso de naufrágio. Tiravam-se umas fotografias e estava passada mais uma tarde. Os dias de calma eram gastos a jogar às cartas e a receber alguma instrução sobre o destino, em que ninguém, verdadeiramente, queria pensar. A passagem do equador fornecia o pretexto para uma cerimónia da praxe e, entretanto, aproximava-se a chegada, que, quase sempre de manhã, era o tempo da curiosidade de África, o tempo de refazer as malas e o desembarque. Nova formatura, agora o calor, um desfile e um discurso. Depois, a partida para um campo militar, o Grafanil, em Luanda, o Cumeré, em Bissau. Aqueles para quem Moçambique era o destino, prosseguiam viagem de Lourenço Marques para norte, até à Beira, Nacala ou Porto Amélia. A partir daqui, seguiam-se os dois anos da comissão.
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