quinta-feira, 3 de abril de 2008

25 de Abril contado pelos protagonistas:-ENTREVISTA A SALGUEIRO MAIA:-1991, Santarém

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2ª Hora
1h27m33s até 1h28m51s

Concretamente, aqui na Escola Prática, no dia 24 de manhã é quando começo a dizer aos indivíduos "Eh pá! vamos fazer isto", porque até lá nós conversávamos, dizíamos o que estava mal, mas não saíamos daí. Depois do 25 de Abril, acontece que (e para mim isso é muito importante) 99,9% de nós, as únicas excepções terão sido o Melo Antunes e o Vítor Alves e pouco mais, não tínhamos capacidade política nem influência marxista ou outra. Os milicianos sim, e quando vem depois o 25 de Abril começam a agitar as águas em termos políticos, e tomar as tais posições radicais. Para nós o contexto era de que não precisávamos de ter qualquer acção política nem a devíamos ter, pois o povo português é que tinha que se entreter com isso, em que nós éramos os garantes de que tinha que haver liberdade e democracia, o que só conseguíamos estando isentos politicamente.
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3ª Hora
2h04m46s até 2h07m57s


E – Ao ouvir alguns dos principais relatos dos protagonistas da revolução de 25 de Abril, tem-se muita vezes a sensação que a capacidade de improvisação teve muitas vezes de se sobrepor à própria força das armas, e da própria organização. Quando saiu de Santarém, a comandar essa coluna militar, tinha um plano absolutamente rígido que tinha de ser cumprido ou contava com a sua capacidade de improvisação?

M – Bom, o português é caracterizado em todo o mundo pela sua capacidade de "desenrasca", como se diz na tropa. Naturalmente a condicionante de desenrascanço era relevante, mas quando se verifica que, em termos sociais, históricos..., estamos num impasse, e que é preciso suplantar o regime, quando se tem a noção, através da história, do que foram revoluções equivalentes, a situação complica-se.
A minha visão pessoal é de que tinha condições ímpares para dar a volta, de que a história é um rio que está a um passo da minha porta, e eu se dou um passo em frente caio no rio; portanto, tinha a noção de que o acto que iria realizar era o que ia evitar um novo Alcácer-Quibir ou que podia acabar com a guerra e possibilitar alguma capacidade de diálogo com os movimentos de libertação, e que podia instaurar a liberdade e democracia neste país.
O passo para ser considerado traidor à pátria e para aparecer numa praia qualquer com um tiro na cabeça era muito curto, por isso a dificuldade esteve em dar esse passo em frente, porque depois de estar dado não havia que recuar. A partir daí talvez tenha importância a minha maneira de ser, em que me sinto muito mais à vontade no meio de situações críticas e dá-me prazer a bagunça e a excitação. Naquele contexto eu estava-me realizando pelo prazer do risco, sem perder a noção das responsabilidades e da realidade. E a realidade era esta: não tinha tropa; não tinha armamento; e tinha a esperança que algumas outras unidades saíssem ao mesmo tempo. A realidade é que ia enfrentar o Governo, e se as coisas corressem mal, quem era o inimigo era eu, pois ia à frente.
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2h09m47s até 2h10m55s


E – Mas logo pelas primeiras horas da madrugada se começou a perceber que o golpe seria de esquerda e não de direita...

M – Relativamente, mas à margem disso as pessoas apareciam lá. Aparecem o Augusto Carvalho e o Eduardo Gajeiro a perguntar se podem tirar fotografias, e se podem falar com as pessoas, e disse-lhes "olhe, é mesmo para garantir isso que estamos aqui". Pontualmente havia situações deste nível, mas no geral a adesão popular foi de tal maneira forte que, no fundo, é ela que faz avançar o processo com uma generosidade a toda a prova, pelo facto de não se assaltarem bancos, não se roubou, não houve aproveitamentos, não houve aquilo que é frequente quando há agitações, até mesmo no futebol, que é haver quem se aproveite. Aqui não houve disso, nem houve vinganças ou retaliações, tirando pontualmente acusações" este tipo é da PIDE" com algumas agressões.
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2h32m55s até 2h34m33s


E – Depois de tudo o que nos contou sobre o próprio dia de 25 de Abril, pode-se dizer que quem ganhou foi o diálogo e o bom senso, acima da força das armas. Por outro lado, salta como evidência que o difícil terá sido começar, enfim, uma vez desencadeada a acção, parece que as forças leais ao governo estavam muito pouco convencidas da missão, desmoronando-se como um castelo de cartas.

M – O regime assentava na opressão, e a opressão assentava no medo. Quando as pessoas começam a perder o medo também é contagioso. Portanto, muitos elementos que à partida se mantinham nas posições em que estavam porque tinham medo, começam a ver os outros a partir as amarras e eles também as partem por arrastamento. Chega-se à tal situação, em que o regime eram meia dúzia de indivíduos que viviam à custa do contexto, e são esses que ficam isolados, com dois argumentos de peso: a opinião pública, mas também a comunicação social a dizer que tínhamos uma força que ficava aquém da verdadeira. Houve uma jogada de bluff, e essa jogada, por arrastamento, fez desmoronar o castelo, mas sem bases, pois nós não tínhamos força mas não tínhamos outra situação.

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